Breve histórico sobre a Neuropsicologia
22-04-2015 12:28
- O termo NEUROPSICOLOGIA foi utilizado pela primeira vez em 1913 em uma conferência proferida por Sir William Osler, nos Estados Unidos. Apareceu ainda como um subtítulo na obra de 1949 de Donald Hebb chamada The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory. No entanto, anterior a esta data, a psicologia já almejava o status de ciência através da psicologia fisiológica. O termo psicologia fisiológica foi, na verdade, proposto por Wundt como título do seu livro Princípios da Psicologia Fisiológica, publicado em 1874 e reeditado na Alemanha até 1911. Durante muitos anos psicologia fisiológica foi um termo genérico utilizado para se referir a pesquisas realizadas em laboratório e por isso mais associado ao método do que ao objeto. As mudanças na agenda da psicologia, por influência do evolucionismo, intensificaram os estudos funcionais sobre comportamento, pensamento e inconsciente, colocando em segundo plano as relações entre mente e cérebro. Uma importante mudança conceitual esboçou-se a partir da iniciativa de um aluno de Pierre Marie, que percebeu a necessidade da pesquisa neuropsicológica incorporar outras disciplinas além da básica: a psicologia e a lingüística. Alajouanine, um neurologista, em um esforço de pesquisa conjunta com André Ombredane (psicólogo) e Marguerite Durand (lingüista), publicam em 1939 Le Syndrome de Désintégration Phonétique dans l'Aphasie, inaugurando o campo da neurolingüística e da neuropsicologia. Para Hécaen e Albert (1978) essas duas áreas científicas têm um objetivo comum - o estudo das relações entre funções mentais e estruturas cerebrais.
- Paralelamente, na Rússia, outro capítulo fundamental da neuropsicologia estava sendo escrito. Desde o trabalho seminal de L. Bolotov em 1789, passando por um intenso período de interesse na pesquisa sobre afasia, a neurologia e psicologia russas destacaram-se pela sua contribuição não somente na descrição dos sintomas, mas também na explicação dos mecanismos psicofisiológicos subjacentes aos transtornos da linguagem. Em um período posterior, ainda fortemente influenciado pela tradição fisiológica de Sechenov (1829-1905) e Ivan P. Pavlov (1849-1936), Lev Vygotsky (1896-1934) procurou uma alternativa às tradicionais prerrogativas localizacionistas e globalistas. Vygotsky considerou as funções corticais superiores em três princípios centrais: a) relacionamentos interfuncionais, plásticos e modificáveis; b) sistemas funcionais dinâmicos como resultantes da integração de funções elementares; e, c) a reflexão da realidade sobre a mente humana. Orientada pelo pensamento de Vygotsky e profundamente enraizada na tradição russa de pesquisa em neurologia, a obra de Alexander Romanovich Luria (1902-1977) que se delineia a partir da década de 20, possui uma conotação singular para a neuropsicologia. Luria concebia uma ciência que mantinha, ao mesmo tempo, consonância com a fisiologia e a neurologia, sem depender integralmente destas e, mais importante, sem nunca perder de vista a perspectiva humanista na compreensão e entendimento das condições clínicas estudadas. Ainda outra grande contribuição de Luria refere-se às inovações metodológicas propostas no exame clínico: técnicas aparentemente simples, mas orientadas pela sua visão das funções corticais superiores, ou seja, Luria propõe um modelo teórico que dirige o trabalho neuropsicológico. Na concepção de Luria, "desde uma perspectiva da localização sistemática das funções, consideramos os processos corticais superiores como sistemas funcionais complexos dinamicamente localizados".
- A partir da década de 1950, nos Estados Unidos e em oposição ao behaviorismo desenvolve-se a psicologia cognitiva, com especial ênfase na teoria de processamento da informação. Em 1956, os trabalhos de George Miller sobre as limitações da capacidade do pensamento humano, especialmente sobre as limitações da memória de curto-prazo foram um marco influente no estudo dos processos e representações mentais. A neuropsicologia ensaiou seus primeiros passos em direção ao estabelecimento como disciplina científica a partir de observações e estudos clínicos de pacientes, a assim denominada abordagem clínica clássica. Um exemplo típico dessa abordagem refere-se à descrição de Leborgne, um paciente descrito por Paul Broca que perdera a faculdade para a linguagem articulada e que tinha uma lesão no hemisfério esquerdo. Florescendo conjuntamente às concepções localizacionista e associacionista, tal abordagem acabou por enfatizar excessivamente casos individuais. O uso de testes psicológicos para a investigação das disfunções cerebrais ocorreu especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com os estudos pioneiros de Hans-Lukas Teuber, Brenda Milner, Arthur Benton e Ward Halstead. Na verdade, a psicometria tem influenciado a neuropsicologia desde o início do século através da avaliação neuropsicológica. Estes estudos, que formaram a base para o campo científico da neuropsicologia humana, focalizavam danos cerebrais causados por acidentes da natureza, combates em guerra e cirurgias. Nos procedimentos de avaliação psicométrica, a seleção de pacientes era primariamente baseada nos padrões de performance em baterias de testes abrangentes com propriedades de objetividade, confiabilidade e validade bem estudadas, além da avaliação por meio de medidas de tempo de reação, medidas eletrofisiológicas (potenciais evocados ou relacionados a eventos) e psicofísicas (condutância da pele, registro de fluxo sangüíneo sonográfico), em tarefas de processamento da linguagem.
- A história da organização científica e profissional da neuropsicologia apareceu recentemente em artigo escrito por Byron P. Rourke e Shemira Murji (2000) no Journal of the International Neuropsychological Society. Os autores informaram que o primeiro encontro científico da International Neuropsychological Society (INS) ocorreu em 1967, em conjunto com a Reunião Anual da American Psychological Association (APA), realizada na cidade de Washington, EUA. O objetivo da Sociedade era o estudo e compreensão das implicações clínicas resultantes da relação entre doença cerebral e comportamento. O texto é um relatório detalhado desses primeiros anos, permitindo que se extraia uma breve cronologia dos acontecimentos ocorridos entre 1965 e 1985. A primeira data aponta para o início de articulações para a criação da Sociedade. A última celebra a afiliação da Sociedade ao Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology. No Brasil, um dos pioneiros no estudo da neuropsicologia foi o médico neurologista Antonio Frederico Branco Lefèvre (1916-1981). Em setembro de 1988, graças à união de esforços e da enorme dedicação dos neurologistas e professores Norberto Rodrigues e Jayme Antunes Maciel Jr., ocorreu o marco histórico da fundação da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp), em Assembleia Geral da Academia Brasileira de Neurologia, durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurologia, em São Paulo. Foi considerado que a denominação "Sociedade Brasileira de Neuropsicologia" era a que melhor se enquadrava aos propósitos da associação na arregimentação multidisciplinar e interdisciplinar dos profissionais que desenvolvem atividades clínicas e de pesquisa na área das ciências cognitivas. A ata da fundação da SBNp foi registrada no 4º Cartório de Registro de Títulos e Documentos - Cartório Medeiros, em São Paulo, como uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com CNPJ - 65 516 320/0001-44. Em 2007, em obediência ao novo Código Civil, a designação da SBNp foi mudada para Associação Brasileira Multidisciplinar de Neuropsicologia. Em maio de 2008, a SBNp realizou o Simpósio "Avaliação em neuropsicologia: estudos atuais na normatização e validação de testes no Brasil", com o propósito de discutir instrumentos de avaliação em Psicologia e, desde então, vem angariando cada vez mais associados e promovendo encontros entre profissionais e estudantes da área.
Fontes: Christian Haag Kristensen e https://www.sbnpbrasil.com.br/historia