Terapia Cognitivo Comportamental (TCC): Conceitos – Definição - Métodos

 

Terapia Cognitiva é um sistema de psicoterapia, proposto e desenvolvido por Aaron Beck e seus colaboradores, que integra um modelo cognitivo de psicopatologia e um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas baseadas diretamente nesse modelo.

 

Em meados da década de 1950, Beck, Professor de Psiquiatria da Universidade da Pennsylvania em Philadelphia e um eminente Psicanalista, conduziu estudos empíricos para comprovar princípios psicanalíticos. A partir de seus estudos, propôs um modelo de depressão, que, evoluindo em seus aspectos teórico e aplicado, constitui-se em um novo sistema de psicoterapia, que ele denominou inicialmente de Terapia Cognitiva e que hoje é mais amplamente denominada de Terapia Cognitivo-Comportamental.

 

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) baseia-se na hipótese de vulnerabilidade cognitiva como um modelo de transtorno emocional. Seu princípio básico, que reflete uma postura construtivista, é de que nossas representações de eventos internos e externos, e não um evento em si, determinam nossas respostas emocionais e comportamentais. Nossas cognições ou interpretações, as quais refletem formas idiossincráticas de processar informação e representar o real, constituiriam a base dos transtornos emocionais, os quais seriam definidos, em TCC, mais propriamente como transtornos de processamento de informação.

 

Fundamentada no princípio básico da TCC e, em particular, na hipótese de primazia das cognições sobre as emoções e comportamentos, em TCC busca-se a reestruturação cognitiva, a partir de uma conceituação cognitiva do paciente e de seus problemas. Inicialmente, objetiva devolver ao paciente a flexibilidade cognitiva, através da intervenção sobre as suas cognições, a fim de promover mudanças nas emoções e comportamentos que as acompanham. Ao longo do processo terapêutico, no entanto, atua diretamente sobre o sistema de esquemas e crenças do paciente a fim de promover sua reestruturação. Em paralelo à reestruturação cognitiva, o terapeuta cognitivo utiliza ainda uma abordagem de resolução de problemas.

 

A TCC reflete aspectos interessantes em sua praxis. Baseia-se na noção de esquemas, construídos ao longo do desenvolvimento, cujo conjunto resume as percepções pelo indivíduo de regularidades do real a partir de suas experiências históricas relevantes. Esquemas são definidos como superestruturas cognitivas que, em uma relação circular, organizam nossas experiências do real e são atualizados por elas, ao mesmo tempo em que guiam o foco de nossa atenção. TCC adota uma abordagem estruturada, mas apoia-se em uma relação colaborativa entre o terapeuta e o paciente, na qual ambos têm um papel ativo através do processo psicoterápico. Objetiva não apenas a resolução dos problemas imediatos do paciente, mas, através da reestruturação cognitiva, busca dotá-lo de um novo conjunto de técnicas e estratégias cognitivas para, a partir daí, processar e responder ao real de forma funcional, sendo o funcional definido como formas que concorrem para a realização de suas metas.

 

Características que a distinguem de outras formas de psicoterapia são o tempo curto e limitado e a eficácia comprovada através de estudos empíricos, em várias áreas de transtornos emocionais, como depressão, transtornos de ansiedade (transtorno de ansiedade generalizada, fobias, pânico, hipocondria, transtorno obsessivo-compulsivo), dependência química, transtornos alimentares, dificuldades interpessoais (terapia de casal e de família), transtornos psiquiátricos, etc., para adultos, crianças e adolescentes, nas modalidades individual e em grupo. Sua utilização no tratamento de psicoses apresenta resultados encorajadores. TCC ainda é indicada como coadjuvante no tratamento de transtornos orgânicos, e em intervenções nas áreas de educação, organizações e esportes.

 

 

 

Princípios básicos da TCC

 

  1. A TCC se orienta no conhecimento empírico da psicologia científica;
  2. A TCC se orienta no problema (sintoma) atual do paciente;
  3. A TCC baseia-se na análise dos fatores de vulnerabilidade (predisposições), fatores desencadeadores e mantenedores dos transtornos mentais;
  4. Por se orientar no problema, a TCC é também orientada para um objetivo definido (a modificação do comportamento problemático);
  5. A TCC é voltada para a ação e não apenas para a tomada de consciência (ing. insight, al. Einsicht) e uma compreensão mais profunda do problema;
  6. A TCC não se restringe à situação terapêutica, mas se estende à vida diária do indivíduo;
  7. A TCC é transparente, tanto quanto a seus objetivos quanto a seus meios;
  8. A TCC procura ser uma ajuda para a autoajuda, ou seja, acentua a responsabilidade do próprio paciente no processo terapêutico;
  9. A TCC se esforça por estar em desenvolvimento constante.

(Jürgen Margraf, 2009)

 

Estrutura da terapia

 

A estrutura da TCC pode ser descrita em uma série de cinco passos:

  1. Apresentação do problema
    1. Primeira orientação a respeito problemática - consiste na coleta e organização dos dados relevantes para a compreensão do paciente e de seu problema: dados pessoais, sintomática e seu desenvolvimento, objetivos do paciente, esclarecimento das condições necessárias para o trabalho psicoterapêutico;
    2. Definição do(s) problema(s) e diagnóstico - definição dos diversos problemas envolvidos e da relação entre eles, esclarecimentos diagnóstico (ex. possíveis causas fisiológicas do problema), diagnóstico provisório (segundo CID 10 ou DSM IV) e definição da indicação psicoterapêutica (ou seja, qual método psicoterapêutico é o mais indicado);
    3. Escolha do(s) problema(s) a ser(em) tratado(s)

 

  1. Análise do(s) problema(s)
    1. Análise comportamental - escolha do comportamento problemático, análise da sua incidência (em que situações, com que frequência, acompanhado de que pensamentosemoções, com que consequências);
    2. Análise motivacional - análise do valor do comportamento problemático: que objetivos são perseguidos com ele? Quais motivos influenciam a vida da pessoa? O comportamento se origina de conflitos entre objetivos distintos?
    3. Análise sistêmica - análise da pertinência do indivíduo a diferentes sistemas sociais, com regras e exigências distintas e, por vezes contraditórias e a influência dessa pertinência sobre seu comportamento;
    4. Origem e desenvolvimento do problema: Anamnese, geração de hipóteses sobre a origem do problema;
    5. Condensamento do conhecimento ganho até então: geração de um modelo etiológico individual

 

  1. Análise do objetivo
    1. Pré-requisitos da mudança (de comportamento) - consideração dos lados positivo e negativo do comportamento atual (problemático), definição da motivação para a mudança, determinação dos fatores ambientais que auxiliam a mudança e daqueles que a atrapalham;
    2. Determinação dos objetivos - quais os objetivos perseguidos pelas partes envolvidas (paciente, terapeuta, terceiros), formulação de objetivos e dos passos necessários para alcançá-los;
    3. Relacionamento paciente-terapeuta - o relacionamento entre paciente e terapeuta é tal que permite um trabalho produtivo? Como mantê-lo (ou modificá-lo)?

 

  1. Análise dos meios
    1. Pontos de partida: quais pessoas devem ser envolvidas na mudança? Com quais situações, problemas, pessoas começar?
    2. Princípios da mudança - com base na análise do problema, quais passos devem ser dados? Como? Explicação da lógica do tratamento (dos passos a serem dados) ao paciente
    3. Planejamento concreto da terapia - que novos comportamentos devem ser aprendidos, em que situação? Como? Definir os parâmetros formais (frequência das consultas, duração da terapia) e determinar se outros tratamentos (ex. medicamentos) são necessários. Definir exatamente (de forma observável) o que se considera "sucesso"
  2. Teste e avaliação dos passos definidos - realização dos passos tal qual definidos anteriormente, sempre levando em conta de que as hipóteses sobre as quais elas se baseiam são provisórias e, assim, modificáveis sempre que necessário. Avaliação permanente de cada um dos passos e dos diferentes objetivos alcançados. Término da terapia.
 

Técnicas Cognitivo-Comportamentais

 

DESSENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICA
Consiste em remover ou enfraquecer a ansiedade por meio da inibição recíproca, que se chama supressão condicionada (estabelecer uma resposta antagonista à ansiedade na presença do estímulo provocador da ansiedade, que é o relaxamento). Utiliza-se o treino em técnicas de relaxamento e o paciente deve ser capaz de visualizar as situações temidas. Uma das principais técnicas utilizadas no tratamento da fobia social e específica e síndrome do pânico. 

TREINO DE ASSERTIVIDADE 
É feito orientando-se o paciente a emitir respostas adequadas em situações específicas ou pelo ensaio comportamental (procedimento para o treino da assertividade). Técnica eficaz no tratamento da fobia e da ansiedade social.

PARADA DO PENSAMENTO
É uma técnica de autocontrole, que consiste em formular um pensamento indesejado e com um comando de “pare” em voz alta, impedir a evolução do pensamento. Outras palavras ou imagens também podem ser usadas, como visualizar uma placa, escrito “Pare”. Essa técnica é muito útil porque a presença de pensamentos incômodos favorece a ocorrência de comportamentos indesejáveis. Muito utilizada no tratamento do estresse pós-traumático.

AUTOINSTRUÇÃO
Utilizada para modificar cognições com o objetivo de mudar comportamentos, ensinando o paciente a desenvolver pensamentos adequados e realísticos à situação temida. Aplicada principalmente no tratamento da ansiedade, impulsividade e hiperatividade infantil.

INOCULAÇÃO DO ESTRESSE
Consiste em treinar o paciente na vivência de uma situação estressante, para que ele desenvolva recursos de enfrentamento a serem utilizados na situação temida real. Muito utilizada no tratamento do pânico, fobias específicas, transtorno do estresse pós-traumático, ansiedade generalizada, alcoolismo, entre outros.

TREINO EM HABILIDADES SOCIAIS
O objetivo da técnica é capacitar o paciente a emitir respostas adequadas a situações específicas. Pode ser usada no tratamento de grupos especiais como portadores de transtornos de personalidade evitativa e esquizofrenia.

SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
A técnica consiste em ensinar o paciente, maneiras adequadas de enfrentar situações da vida real. Deverá aprender a manejar e adaptar procedimentos e estratégias aprendidos na terapia, por meio de modelagem de habilidades, em sua vida. Situações são simuladas durante as sessões. A técnica pode ser aplicada no tratamento da depressão, terapia de casal, transtorno de conduta, hiperatividade e déficit de atenção.
EXPOSIÇÃO
Consiste em expor o paciente, repetidamente, ao vivo ou na imaginação, diretamente a situação temida, que são evitadas por desencadearem ansiedade. Muito apropriada para tratamento de fobias.

EXPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DE RESPOSTAS
Inclui a exposição mais bloqueio da resposta compulsiva para tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).

EXPOSIÇÃO INTEROCEPTIVA
Técnica de exposição mais provocação de respostas fisiológicas, como tonteira, taquicardia, tensão muscular, por meio de exercícios e técnicas específicas. Utilizada no tratamento da síndrome do pânico, com o objetivo de diminuir ou romper a associação entre indicadores fisiológicos e reações de pânico.

Para Beck et al. (2005), no tratamento dos transtornos de personalidade algumas técnicas cognitivas e comportamentais são úteis, como:
• “Sondagem Cognitiva” – utilizada para aliciar e avaliar pensamentos automáticos.

• Confrontando os Esquemas – deve-se tratar de todos os esquemas: cognitivos, comportamentais e afetivos. As distorções cognitivas do paciente apontam para os esquemas e o terapeuta o ajuda na identificação de regras disfuncionais que dominam sua vida e trabalha com ele para realizar as alterações necessárias a um funcionamento mais adaptativo.  

• Tomando decisões – ajuda o paciente a aprender a tomar decisões importantes.

• Revivendo experiências da infância – situações da infância podem levar ao entendimento das origens dos padrões desadaptativos. Recriando certas situações o paciente tem a oportunidade de reestruturar atitudes formadas naquele período e suavizar atitudes em relação a si mesmo.

• Uso da imaginação – permite que o paciente reviva eventos traumáticos passados, possa reestruturar a experiência e suas atitudes decorrentes. Sudak (2008) aponta a importância da colaboração no relacionamento entre terapeuta e paciente. O paciente deve tornar-se coinvestigador e uma aliança terapêutica forte é essencial para bons resultados.

 

Intersecção entre TCC e Neuropsicologia

 

A Neuropsicologia Clínica e Terapia Cognitivo-Comportamental são duas áreas epistemologicamente congruentes. A intersecção entre as duas abordagens em vários casos (nem todos os casos é necessário a intersecção) tem se mostrado de grande valia e melhorado a qualidade e velocidade dos tratamentos devido ao maior entendimento e recursos que as duas áreas juntas possibilitam.

O presente texto que por objetivo expor, primeiramente, conceitos básicos sobre as abordagens e em seguida o modo como podem ser utilizadas conjuntamente.

A Neuropsicologia clínica é um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações existentes entre o funcionamento do Sistema Nervoso Central, por um lado, e as funções cognitivas e o comportamento, por outro, tanto nas condições normais quanto nas patológicas.

O neuropsicólogo clínico atua na avaliação, reabilitação ou ambas. Avaliação Neuropsicológica consiste no método de investigar as funções cognitivas e o comportamento. Trata-se da aplicação de técnicas de entrevistas, observações, exames quantitativos e qualitativos das funções que compõem a cognição abrangendo processos como Atenção, Memória, Linguagem, Percepção, Funções Executivas, Inteligência, Funções vísuo-motoras e espaciais, entre outras.

Já a (Re) Habilitação Neuropsicológica é um processo onde se utilizam técnicas remediativas (treino cognitivo) ou compensatórias (adaptativas) visando à maior recuperação possível ao nível físico, cognitivo, psicológico e de adaptação social das pessoas com alterações cognitivas.

Os problemas neuropsiquiátricos normalmente avaliados e tratados pela Neuropsicologia são TDAH, Problemas de Aprendizagem Escolar, Tumores Cerebrais, Epilepsia, AVC (derrames), Mal de Parkinson, Demências, Esquizofrenia, Uso de Drogas, Encefalite, entre outros problemas que podem causar danos cognitivos e comportamentais.

Psicoterapia Cognitivo-Comportamental é um termo genérico que abrange uma variedade de mais de 20 abordagens dentro do modelo cognitivo e cognitivo-comportamental.

Todas as terapias cognitivo-comportamentais derivam de um modelo prototípico e compartilham alguns pressupostos básicos, mesmo quando apresentam diferentes abordagens conceituais e estratégias nos diversos transtornos. Três proposições fundamentais definem as características que estão no núcleo das terapias cognitivo-comportamentais:

1. A atividade cognitiva influencia o comportamento.

2. A atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada.

3. O comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudança cognitiva.

Uma frase muito utilizada para definir esses pressupostos foi a do filósofo Epitectus, no século 1: “O que perturba o ser humano não são os fatos, mas a interpretação que ele faz dos fatos”.

Os transtornos psiquiátricos normalmente tratados com reconhecida eficácia pelas psicoterapias cognitivo-comportamentais são: Depressões, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Fobia Social e Fobias Específicas. Ao longo dos anos a TCC também vem sendo aplicada em Transtornos da Personalidade, Transtornos Alimentares, Dependência Química, Controle do Estresse, Treino em Habilidades Sociais, Esquizofrenia, Transtorno Bipolar, entre outros.

Realizada essa breve exposição sobre as duas abordagens, a seguir expõe-se a maneira de como as duas abordagens podem ser utilizadas em determinados casos:

Como a Avaliação Neuropsicológica pode contribuir na tomada de decisão clínica na Psicoterapia Cognitivo-Comportamental?

• Auxílio diagnóstico em casos difíceis (Por exemplo: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade/Impulsividade).

• Diferenciação entre déficits neurocognitivos e estilos desadaptativos com mais rapidez (Por exemplo: déficit de atenção ou evitação cognitiva)

• Escolha entre técnicas cognitivas e comportamentais de acordo com os recursos neurocognitivos do paciente.

• Identificação de déficits neurocognitivos que possam prejudicar o dia a dia do paciente e até mesmo o processo psicoterapêutico (Por exemplo: dificuldade com processamento de inferências).

 

Qual a relevância da Psicoterapia Cognitivo-Comportamental no processo de (Re) Habilitação Neuropsicológica?

• Melhor entendimento da personalidade pré-morbida do paciente e reestruturação cognitiva em casos onde o paciente desenvolve crenças irracionais após lesão cerebral que influenciam emoções e comportamentos (Exemplo de Crenças: “Minha vida acabou”; “Não sirvo mais para nada”; “Sou um incômodo para toda a família”)

• Auxílio no tratamento dos efeitos emocionais após uma lesão cerebral, os quais muitas vezes podem ser mais prejudiciais do que os próprios déficits neurocognitivos (Por exemplo: depressão e ansiedade).

• Técnicas cognitivo-comportamentais para extinção ou redução de modos de comportamentos disfuncionais.

• Treinamento de Habilidades Sociais para reinserção na vida social e de comportamentos mais compatíveis com a nova situação neuro-psico-motora.


O que tem em comum entre Terapias Cognitivo-Comportamental e Reabilitação Neuropsicológica?

• Visam a uma meta

• Envolvem resolução de problemas

• São colaborativas e educativas

• Testam hipóteses

• Incluem medidas de resultados e treinamento de habilidades

• São estruturadas

• Normalmente tem tempo limitado (exceto algumas psicopatologias como transtornos e problemas relacionados à própria personalidade do paciente).